ABC DO ORQUIDÓFILO PARA UMA, VÁRIAS OU MUITAS ORQUÍDEAS Prof. René Rocha

A ETIQUETA


Edinho morreu. Disseram. Quem é Edinho? Ninguém. Só um diminutivo, um apelido qualquer. Tinha pequena estatura e uma vidinha pacata. Falava o mínimo e mais, só se perguntado. Foi alguém que gostava de orquídeas. Quantas pessoas com muito gosto por orquídeas nos é dado conhecer? Uma dessas, Edinho: ed., de Edison, de Edmilson, Edílson? E, inho - sufixo diminutivo, destes que se carrega de criança.

Todo dia certo de março, passava ele com uma braçada de bailarinas amarelas (oncidiuns). De tão reluzentes, em grandes cachos, não havia quem não as notasse. Ele fazia mesmo questão de mostrá-las a todos, no trajeto sem pressa de viúvo aposentado. E a mim, particularmente, não falhava um ano sequer.

Sabedor do meu gosto por aquelas flores, compartilhar comigo daquela pequena maravilha era quase compromisso, não só caminho coincidente.
Dizia, ainda, da sua bela rainha, uma purpurata: “quando em flor te aviso”!
...O que nunca aconteceu, por desencontro das datas da floração com as freqüentes viagens minhas. O que mais une os orquidófilos é a exposição.

Mostrar as flores produzidas é pavonear-se, com empréstimo de plumas florais.

Também a cumplicidade de poder revelar-se um conversador com flores, sem se expor ao ridículo de outros estranhos, não-orquidófilos, os ditos ''normais''.

Não sei; tinha a impressão de que Edinho estava encolhendo a cada ano.
Pensando bem, o tufo das flores é que aumentava bastante.Ou, sei lá,ambas as coisas, pois, como se diz, a gente vai mesmo diminuindo com a idade.

Pelo que sabia, Edinho era apaixonado só pelas orquídeas. Mas, um dia, alguém conquistara seu coração só para si, ou o compartilhara com orquídeas, o que, para ele era a mesma coisa. Amores, assim como flores, são mesmo efêmeros e fugazes, quando a vida torna-se intransigente com certos amores e com todas as flores. Ambos, ou só murcham e desaparecem, ou são plantados sementes para se recriarem.

Edinho referiu-se às de orquídeas, que dizia semear muito, pois filhos que teve lhe eram tanto quanto estas. De suas flores falava-me sempre; e a quem eram elas destinadas revelava uma lágrima perseguindo outra, brincando de tobogã no seu rosto já enrugado.

Até que Edinho morreu. Me disseram. Quando eu soube, já havia sido plantado junto à mulher.

Mas, afinal quem é Edinho? De pequenino, hoje, um colibri talvez, passarinho de mais combinar com esta sua pequena história.

Estes dias fui visitar sua irmã. Ela dividia a mesma casa com Edinho, desde a morte da mulher, cujo nome, até então, eu desconhecia. Uma árvore de Eritryna abarrotada de bailarinas, mesmo sem flores, adornava a frente do jardim...
Cadê aquela purpurata de que ele tanto me falou?

...Lá no mochoqueiro dos fundos, vamos; é pena que esteja murchando desde que Edinho morreu.... E ali estava ela, de folhas sentidas e rizomas desidratados, com a etiqueta pendurada...E, por quanto tempo estiveram casados?...Edinho e Lélia?...

Foi quando uma dessas lágrimas teimosas teimou no seu rosto de irmã, querendo aguar aquela sentida flor, identificada na etiqueta, onde estava escrito:
Laelia purpurata “Minha LÉLIA” . . .

Depois vieram outras, de lamento, pela mudança do nome da nossa orquídea rainha para Hadrolaelia, sob a acusação de “falsa” Laelia. Pelo menos não para Hoffmannseggella...Teria sido pior e motivo de muitos mais chororôs e suspiros...

Ou seriam pelo significado de Sophronitis (do grego sophron =
modestas, pequenas, sem atrativos) estes suspiros pelas alegorias
depreciativas às nossas queridas rainhas e princesas Laelias “BRASILIS”?

Prof. René Rocha lançando seu livro em São Paulo, na Bienal do Livro. Ago/2008
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Prof. René Rocha
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