sábado, 23 de março de 2013

Cattleya labiata purpureo-lineata `Cara Branca´


Cattleya labiata purpureo-lineata 'Cara Branca'
A empresa armadora Lloyd Brasileiro fazia um intenso comércio de cabotagem entre as capitais da nossa costa, desde a Amazônia até o Rio Grande do Sul, levando e trazendo gêneros variados de mercadoria. Navios cargueiros com cerca de 100 metros de comprimento, casco de aço e movidos por caldeira à vapor, desciam desde Manaus até Porto Alegre, parando de porto em porto, como Fortaleza, Recife, Salvador, Santos e Florianópolis, até chegarem à capital gaúcha. O mesmo comércio também era feito pela Companhia Nacional de Navegação Costeira, através dos navios chamados de Ita ("Peguei um Ita no norte. Pra vim pro Rio morá..."), pois todos tinham nomes tupi-guarani iniciados pelas sílabas ita: Itaimbé, Itaipu, Itajubá, etc... Dentre os inúmeros e variados produtos de comércio que esses navios traziam estavam as orquídeas e entre elas as Cattleya labiata. Coletadas nas montanhas do Ceará à oeste da capital Fortaleza (as de Pernambuco eram ainda pouco conhecidas), elas eram transportadas em grandes cestos ou balaios, os quais eram empilhados no convés do navio em blocos do tamanho de um automóvel e eram regados com água doce todos os dias. As orquídeas lá dentro acondicionadas até que vinham em bom estado, pois recebiam luz filtrada através da trama da palha e o ar que atravessava as paredes dos balaios não as deixava apodrecer. Muitas labiatas famosas foram transportadas até as mãos dos colecionadores por esse meio, como por exemplo, esta, a 'Cara Branca', que foi parar em Porto Alegre por volta de 1953 ou 1954. Tão logo o navio chegava ao porto, os orquidófilos para lá corriam em busca das suas orquídeas encomendadas e levavam para casa os balaios carregados de plantas. A orquidofilia no Rio Grande do Sul já era muito adiantada, talvez a mais adiantada do país. O costume na época era plantar essas orquídeas recém coletadas em troncos de xaxim, os quais eram serrados ao meio longitudinalmente, como se corta ao meio um pão francês e eram apoiados em cavaletes na horizontal, ou pendurados com cordas ou correntes debaixo de grandes árvores, geralmente figueiras, no quintal das chácaras. Lá ficavam então os troncos partidos, com a parte arredondada voltada para cima, prontos para receberem as orquídeas recém-chegadas. Assim que eram desencaixotadas, as orquídeas eram então limpas e fixadas em pé nesses troncos de fibra macia por meio de "grampos" feitos de bambu, mais propriamente, de uma fina taquara. Os orquidófilos cortavam segmentos de taquara no ponto em que estão os nós, deixando um pedaço pequeno de galho lateral, de maneira que terminavam com uma espécie de forquilha ou V, onde a ligação entre os braços desse V era o nó da taquara. Essas pequenas forquilhas com cerca de 5 centímetros de comprimento, eram um meio muito eficaz de fixação das orquídeas nos troncos, pois no momento de se espetar as afiadas pontas dentro das fibras do xaxim, era abraçado no meio da forquilha o rizoma da planta. As pontas da forquilha eram pressionadas e aproximadas entre si ao serem enterradas na fibra e quando eram soltas pelos dedos, elas voltavam à forma original se distanciando e se expandindo dentro do tronco, trazendo então para perto deste a sua interseção, o seu nó, pressionando assim a planta contra o tronco, a qual ali ficava firmemente fixada. Inúmeros troncos eram dessa forma cobertos de orquídeas, muitas delas já com espata e lá ficavam elas aos milhares sendo observadas constantemente, para que a sua floração pudesse ser avaliada. Os bons exemplares entravam para a coleção do orquidófilo e os comuns ou de forma fraca, eram então descartados. Foi assim, no meio dessas inúmeras labiatas vindas do Ceará e que foram parar em Porto Alegre, que surgiu a 'Cara Branca' das fotos anexas. Não sei se o primeiro orquidófilo a possuí-la foi um de nome Urbano, mas com certeza foi ele o primeiro a difundi-la entre os demais colecionadores do sul através de divisões. Esse Sr. Urbano costumava adquirir uma quantidade muito grande de labiatas vindas do norte e ao que parece tinha muita sorte, pois alguns anos antes, provavelmente em 1951, ele já tinha conseguido obter por esse método uma belíssima labiata de cor diferente, roxo-bispo, com excelente forma. De Porto Alegre a 'Cara Branca' chegou ao Rio de Janeiro nas mãos do orquidófilo João Paulo Fontes, que a repassou a labiateiros aficionados, os quais passaram então a cultivá-la. A descrição purpúreo-lineata, ou purpúreo-lineato (em alusão ao labelo que é uma palavra masculina), se refere à mancha geralmente em forma de linha, que atravessa o disco do labelo na vertical. O nome clonal 'Cara Branca' é universal e nenhuma labiata exibe esse branco no labelo com uma tão grande área e com um brilho tão intenso como a magnífica labiata que aqui estamos vendo. Carlos.

Carlos Keller
Rio de Janeiro, RJ
carlosgkeller@terra.com.br




segunda-feira, 18 de março de 2013

Cattleya labiata tipo `Estrela de Pernambuco´


Cattleya labiata tipo 'Estrela de Pernambuco'
Nós orquidófilos, quando começamos a cultivar orquídeas formamos uma coleção com plantas relativamente comuns. Depois aos poucos, vamos aprendendo a escolher, selecionar e adquirir, cada vez mais, plantas raras e exclusivas. Quando nos tornamos veteranos e passamos a ter e dominar todos os preciosos contatos, o caminho das pedras acaba ficando totalmente familiar. Aquelas orquídeas que antes nos faziam perder madrugadas em viagens para obtê-las, agora nos caem aos pés e muitas vezes, numa postura blasé, nem nos empenhamos o suficiente para segurá-las. A coleção vai crescendo e por maior que seja a nossa estufa, a seleção se torna imprescindível. A falta de espaço nos obriga a descartar aquelas orquídeas, cujas flores possuem pior e ultrapassada qualidade técnica. A muda que ganhamos da vizinha, a plantinha que encontramos caída ao chão numa beira de estrada e até o precioso presente de aniversário da filhinha comprado na porta de um supermercado, pouco a pouco vão desaparecendo do nosso orquidário. Nas bancadas agora só se vêem as orquídeas campeãs, as raridades. Seria então lógico que eu me desfizesse desta Cattleya labiata das fotos, afinal ela nem de longe tem os requisitos técnicos avançados apresentados pelas labiatas atuais. Por que será então que eu a mantenho na coleção? A resposta é simples, porque ela é bela! A beleza intrínseca nunca será ultrapassada. Alguns antigos modelos de Ferrari, Mercedes ou Lótus, aqueles que têm um algo a mais, mesmo ao lado dos potentes modelos atuais, acabam cercados de admiradores nos salões de exposição. Com as orquídeas acontece o mesmo. Já vi muitas vezes aCattleya labiata amesiana ‘Márcia Regina’ faturar um lugar no pódio das exposições. Isso para uma planta antiga, descoberta na natureza em 1951 é algo extraordinário. Com certeza a beleza daquela flor de alabastro ainda hoje conquista o coração dos juízes. A Cattleya labiata tipo das fotos, apesar dos segmentos florais estreitos para aos padrões atuais, possui uma boa armação e tem uma luz que brota do centro das pétalas, que a faz brilhar como uma estrela. É uma flor iluminada! A busca dos orquidófilos em criar flores cada vez maiores e com mais substância, muitas vezes os faz lançar mão da poliploidia. Flores tetraplóides, as chamadas 4n, por exemplo, realmente são maiores e mais robustas do que as normais, diplóides (2n), mas existe aí um efeito colateral: na maioria das vezes essas plantas 4n dão poucas flores por haste. Flores lindas, grandes, mas geralmente duas ou três por haste apenas. As triplóides (3n) são as mais prolíficas em quantidade de flor por haste, mas são quase estéreis. O cromossomo ímpar fica vagando sem parceiro. Só mesmo outra triplóide para resolver o problema. As diplóides (2n), configuração comum na natureza, no final são a que dão as mais produtivas touceiras, como é o caso desta da foto. Ganhei esta planta como divisão do meu amigo Jarbas Nobre, de Cabedelo, Paraíba, em junho de 2005. Será que ela sustenta o pomposo nome clonal? Eu acho que sim... Carlos.

Carlos Keller
Rio de Janeiro, RJ
carlosgkeller@terra.com.br